terça-feira, novembro 15, 2011

Destruicao do patrimonio fabril em SP

Chamines adormecidas
Notícia publicada na edição de 08/11/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 006 do caderno Turismo

Eric Mantuan - AgênciaJor/Uniso.
(camargoeric@ig.com.br)



Azulejos na entrada lembram história da Matarazzo de São Caetano: dali para dentro, somente ruínas
Por: ERIC MANTUAN


Imagine um guarda correndo e agitando freneticamente uma bandeirinha, em plena Marginal Tietê, tentando parar os carros para o trem poder passar. Bem-vindo à Vila Jaguará, São Paulo, anos 70.

O tempo passou, o frigorífico no qual o trem entrava depois de toda essa confusão já trocou de nome e de dono, a via férrea mudou-se para uma ponte e essas histórias ficaram apenas na memória das pessoas. Ainda assim, fazer um passeio pela história fabril paulistana - ou o que sobrou dela - pode ser um programa interessante para quem já conhece a face menos alternativa que a Pauliceia apresenta.

Os mais antigos certamente se lembram da expressão "você pensa que sou um Matarazzo?", utilizada para justificar uma negativa a algum pedido. Se levarmos em conta a magnitude do que foi o maior grupo industrial brasileiro, com quase 300 fábricas, pode-se dizer que pouca coisa sobrou. A parte preservada do patrimônio fica na Água Branca, onde as três chaminés-símbolo da empresa foram restauradas, sob o nome de "Casa das Caldeiras", e fazem parte de um espaço para eventos. Dividem o terreno com quatro torres de escritórios, construídas onde existia um imenso parque fabril, responsável pela fabricação de uma centena de produtos - de velas a xícaras de porcelana. As chaminés só não tiveram o mesmo fim do restante do complexo porque o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Estado de São Paulo (Condephaat) interveio na demolição, no final dos anos 80.

Mas quem chega a São Caetano pelos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitano (CPTM) logo repara em outra chaminé, e em um cenário bastante diferente do visto na Água Branca. Assim que a composição cruza o Ribeirão dos Meninos, na divisa daquela cidade com a capital, os azulejos decorados com a marca "IRFM" - Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo - avisam que estamos diante da planta São Caetano, da Matarazzo. Num espaço que ocupa parte São Paulo, parte São Caetano, funcionou a primeira refinaria de petróleo do Brasil, processando óleo cru vindo do exterior por navio e, do porto de Santos, por trem. Ali também eram fabricados produtos cerâmicos, químicos e tecidos de raiom. As instalações foram parcialmente demolidas no começo dos anos 90, restando os galpões que fazem fundo com a via férrea. Uma área construída restante ainda recuperável que está vindo abaixo para dar lugar a um parque, pelas mãos - ou máquinas - da prefeitura de São Caetano, a quem caberia, se houvesse interesse, a defesa daquele patrimônio.

Não por acaso, grande parte das antigas instalações industriais ficam às margens dos trilhos da Sorocabana e da Santos-Jundiaí, hoje operados pela CPTM, pois a via férrea era indispensável para o recebimento de matéria-prima e o escoamento da produção. É o caso, por exemplo, da Companhia Antarctica Paulista, ao lado da Estação Mooca. Nessa fábrica surgiram, entre 1910 e 1920, a Soda Limonada e o Guaraná Antarctica. Enquanto o processo de tombamento do imóvel se arrasta no Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, o prédio se deteriora. Mais deteriorado ainda está o Moinho Fluminense, entre as estações Júlio Prestes e Barra Funda, bastante destruído e invadido por dezenas de pessoas que ali vivem em condições de extrema miséria.

Salvo algumas exceções, como o Sesc Pompeia, instalado em uma antiga fábrica de geladeiras, o Grande Moinho Minetti-Gamba e o Cotonifício Crespi, estes últimos na Mooca, restaurados para sediarem, respectivamente, uma casa de eventos e um hipermercado - apesar deste último ter demolido boa parte do prédio para dar espaço ao estacionamento da loja - a maioria das instalações fabris paulistanas converteu-se em cenários de abandono e destruição. A falta de rapidez nas leis que lhes asseguram a preservação e a verticalização acelerada de áreas consideradas como apenas industriais no passado colocam a maioria dos prédios em risco.

Se considerarmos que os apitos dessas fábricas silenciaram nas décadas de 1980 e 1990, quando os tradicionais grupos industriais passaram a migrar para os pequenos centros ou mesmo fecharam suas portas por dificuldades financeiras, e todos os percalços para a preservação desses prédios, como a falta de interesse dos proprietários na aplicação de projetos de reciclagem de espaço, por exemplo, é sorte ainda vê-los em pé. Como não se sabe até quando, visite enquanto é tempo.
  
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